sexta-feira, 9 de março de 2012

Tiras de processo civil 3: Fraude à Execução - estudo com base no NCPC


Tiras de processo civil 3: Fraude à Execução - estudo com base no NCPC

Rogério Montai de Lima

Magistrado e Professor

Doutorando em Direito Público pela UNESA/RJ



Em toda obrigação há o dever de cumprimento – que se materializa na satisfação ao credor. Todavia, é o patrimônio do devedor que será a garantia do credor.  Eventual prisão civil – no Brasil remanesce só a decorrente de inadimplência do dever de prestar alimentos – não serve para quitar dívida, mas como meio de obrigar ao cumprimento da obrigação.

Assim, existe um vínculo patrimonial de sujeição dos bens do devedor, para satisfação do credor. Essa é a chamada responsabilidade patrimonial.

A pergunta socialmente mais frequente é a seguinte: E se o devedor da obrigação não possui (mais) patrimônio? No Brasil, como se sabe, salvo a exceção mencionada acima (que decorre dos alimentos não quitados), não existe pena privativa de liberdade para o não cumpridor de suas obrigações civis. Todavia algumas regras ainda podem salvar a adimplência da obrigação.

O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. O projeto do Novo CPC mantém o texto. Assim, a primeira observação é que eventuais direitos que o devedor tenha também sobre determinados bens podem ser objeto de penhora, arresto, sequestro, apreensão, etc. A título de exemplo, note-se que é possível pedir a penhora sobre os direitos que o executado possui sobre um veículo gravado com alienação fiduciária.

Também é possível a desconsideração da personalidade jurídica do Art. 50 do Código Civil, onde em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Outro ponto é que ficam sujeitos à execução (ou seja podem ser objeto de penhora, arresto, sequestro ou apreensão) os bens: I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória; II - do sócio, nos termos da lei;  III - do devedor, quando em poder de terceiros; IV - do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela dívida; V - alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.

O Novo Código de Processo Civil, PL 8045/10, inclui mais uma hipótese: VI - cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação própria, de fraude contra credores.

Importante destacar que além dos casos acima, ainda é possível identificar a FRAUDE À EXECUÇÃO. Ocorre quando o executado, procurando subtrair seus bens à responsabilidade executória, os aliena ou onera a terceiro.

A discussão se abre no sentido de que, obviamente, para que se possa configurar fraude à execução, há necessariamente que existir uma execução, seja ela de qualquer natureza (de fazer, de dar, de entrega, de não fazer, de título extrajudicial, de alimentos, a fiscal, etc.) – incluído aí a fase de cumprimento de sentença.

A regra é disciplinada no artigo 593 do CPC e diz que se considera em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei.

O primeiro caso é mais simples, ou seja, se sobre os bens objetos da alienação ou oneração pender ação fundada em direito real é caracterizada a respectiva fraude. Como exemplos de direitos reais se situa a hipoteca.

A segunda hipótese representa a grande maioria dos processos que discutem a questão. Nesse caso considera em fraude de execução a alienação ou oneração de bens quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência.

É de relevo que, para caracterização da Fraude, além da existência de uma execução (ação ou fase) em andamento, a alienação ou oneração do respectivo bem que se pretende constritar deva deixar o devedor em estado de insolvência, aqui compreendida a situação que o impossibilita de saldar sua dívida. Assim, não é a alienação/oneração de bens enquanto perdurar uma execução que automaticamente caracteriza fraude à execução, mas o fato desta alienação ou oneração deixar o devedor em uma situação que lhe retire a possibilidade de cumprir sua obrigação. Isso se verifica no caso concreto.

No regramento da fraude à execução o CPC atual não faz menção à alienação ou oneração de bens após perdurar uma dívida vencida mas antes do ajuizamento (ou início – em se tratando de fase) da Execução, embora isso possa caracterizar Fraude contra Credores, que possui o mesmo requisito da insolvência para sua caracterização.

O PL que cria o NCPC, ao tratar do assunto, diz que caracteriza Fraude à Execução, além das hipóteses já estudadas acima, a alienação ou a oneração de bens: quando sobre eles pender ação fundada em direito real ou obrigação reipersecutória, desde que haja registro público, sendo estas partes em destaque (a reipersecutória e necessidade do registro), as novidades.

Ainda o NCPC inclui mais dois casos que caracterizam fraude à execução:

a) -  quando sobre eles existir a averbação da existência da ação;

O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. O texto do NCPC diz que esta certidão poderá ser obtida pelo exequente somente quando a execução for admitida pelo juiz (e não simplesmente com o ajuizamento – regra atual)

b) - quando sobre eles existir registro de hipoteca judiciária ou de ato de constrição judicial originário da ação onde foi arguida.

Este segundo caso diz respeito ao registro, no cartório extrajudicial competente, dos atos judiciais de restrição. Ex. registro de penhora.

Ainda, segundo o novo texto que se pretende incorporar ao NCPC, não havendo registro, o terceiro adquirente tem o ônus da prova de que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.

A discussão das fraudes (“à execução” ou a “contra credor”) se dá em ação própria, a ser distribuída, em regra, em apenso à execução, denominada, Ação Pauliana, competente para se anular atos fraudulentos. Criada em Roma, pela atividade de um pretor chamado Paulo (daí a origem), esta ação deve ser manejada contra todos integrantes do ato fraudulento.

Rogério Montai de Lima

terça-feira, 6 de março de 2012

Tiras de Processo Penal 2 - Testemunha e simples ratificação em juízo do depoimento na fase policial - Nulidade segundo o STJ

A regra é a de que a testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, bem como relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.
Nos termos do artigo 204 do Código de Processo Penal, o depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito, não sendo vedada à testemunha, entretanto, breve consulta a apontamentos.
Já se sabe que as provas produzidas em inquérito policial e não ratificadas em juízo, sem o crivo do contraditório judicial, não podem fundamentar decreto condenatório, conforme dispõe o art. 155, 'caput', do CPP (Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.).

Assim, outro ponto relacionado e importante que merece destaque é a maneira pela qual o magistrado efetua a oitiva de testemunhas, ou seja, a forma como a prova ingressa nos autos. Uma maneira muito comum na prática forense, sobretudo, justificada (até então) pela infinidade de audiências designadas para o mesmo dia e buscando agilidade e economia de tempo, é a que o magistrado somente faz a leitura dos depoimentos prestados perante a autoridade policial, questionando a testemunha se ela ratifica tais declarações.

Referida prática foi considerada ilegal no julgamento do HC 183.696/ES de Relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/2/2012. No referido julgado foi concedida a ordem para anular a ação penal a partir da audiência de testemunhas de acusação, a fim de que seja refeita a colheita da prova testemunhal, mediante a regular realização das oitivas, com a efetiva tomada de depoimento, sem a mera reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial. Note-se:


A discussão diz respeito à maneira pela qual o magistrado efetuou a oitiva de testemunhas de acusação, ou seja, a forma como a prova ingressou nos autos. Na espécie, o juiz leu os depoimentos prestados perante a autoridade policial, indagando, em seguida, das testemunhas se elas ratificavam tais declarações. O tribunal a quo afastou a ocorrência de nulidade, por entender que a defesa encontrava-se presente na audiência na qual teve oportunidade para formular perguntas para as testemunhas. Nesse panorama, destacou a Min. Relatora que, segundo a inteligência do art. 203 do CPP, o depoimento da testemunha ingressa nos autos de maneira oral. Outrossim, frisou que, desse comando, retiram-se, em especial, duas diretrizes. A primeira, ligada ao relato, que será oral, reforçado, inclusive, pelo art. 204 do CPP. A segunda refere-se ao filtro de fidedignidade, ou seja, ao modo pelo qual a prova ingressa nos autos. Dessa forma, ressaltou que a produção da prova testemunhal, por ser complexa, envolve não só o fornecimento do relato oral, mas também o filtro de credibilidade das informações apresentadas. In casu, tal peculiaridade foi maculada pelo modo como empreendida a instrução, na medida em que o depoimento policial foi chancelado como judicial com uma simples confirmação, não havendo como, dessa maneira, aferir sua credibilidade. Assim, concluiu não se mostrar lícita a mera leitura do magistrado das declarações prestadas na fase inquisitória, para que a testemunha, em seguida, ratifique-a. Com essas, entre outras considerações, a Turma, prosseguindo o julgamento, concedeu a ordem para anular a ação penal a partir da audiência de testemunhas de acusação, a fim de que seja refeita a colheita da prova testemunhal, mediante a regular realização das oitivas, com a efetiva tomada de depoimento, sem a mera reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial. Precedentes citados do STF: HC 75.652- MG, DJ 19/12/1997, e HC 54.161-RJ, DJ 22/4/1976. HC 183.696-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/2/2012.

Referida prática é bastante utilizada na oitiva de policiais onde muitas vezes, diante dos vários casos em que atuam, acabam por não se lembrar com detalhes do caso em análise. Uma maneira de solucionar a questão é agilizar o andamento do feito judicial, a fim de que a instrução ocorra o mais rápido possível, quando ainda presente na memória das testemunhas os fatos discutidos.

Lembrando que a oitiva prestada por testemunha policial (não contraditada), quando em sintonia com as provas do processo, é merecedora de fé eis que originária de agente público no exercício de sua função. Assim, os depoimentos dos policiais, quando fortalecidos por outras provas, valem como prova. O Supremo Tribunal Federal é firme que “a simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita” (HC 70237, DJ 08/04/94 p. 228, STF- 1ª Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso).

Não existe nulidade se a condenação está fundamentada em outros elementos válidos, não apenas no depoimento da vítima, colhido ainda na fase do inquérito policial, não ratificado em juízo (STJ – HC 200602830110 – (73385) – SP – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJU 17.12.2007 – p. 00244).  
Para finalizar, ainda, é importante dizer que pequenas divergências entre oitivas prestadas por testemunha na fase policial e em juízo não deslustra o conjunto probatório dos autos.

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