Discute-se no Congresso Nacional a criação de um
Novo Código de Processo Civil em substituição ao atual, de 1973. O Projeto de
Lei 8046/10 encontra-se em fase final de aprovação dos destaques na Câmara dos
Deputados.
O Plenário da Câmara dos
Deputados aprovou nesta terça-feira, 11/2/14, por 279 votos a 102 e 3
abstenções, emenda que impede o bloqueio de contas e investimentos bancários em
“caráter provisório”. Pelo que foi aprovado pelos deputados, seria autorizado o
bloqueio de contas do devedor depois da sentença. Um retrocesso.
Segundo
as justificativas dos parlamentares, “a
Justiça abusa desse instrumento e congela preliminarmente as contas das pessoas
antes de elas serem citadas; essa penhora hoje é motivo de falência ou de
sufoco das empresas; a Justiça bloqueia contas de pessoas que foram sócias de
uma empresa, mesmo que elas não tenham relação com a dívida; hoje, com uma
simples petição, se bloqueia saldos que uma pessoa tenha em qualquer banco; o
juiz tem acesso a um sistema do Banco Central, o Bacen-Jud, que permite o
congelamento das contas com um clique; isso é uma prática predatória, disse; a
penhora de contas é uma medida violenta, que só deve ser usada no final do
processo”[1].
Para comentar o instrumento processual de bloqueio
de ativos financeiros é necessário um breve escorço histórico da legislação
processual civil brasileira quanto a penhora e a efetividade do processo de
execução.
Todo o
processo de execução, na forma como regulada inicialmente pelo CPC
de 1973, acabava por prestigiar o devedor inadimplente, criando uma série de
oportunidades para procrastinação da realização dos direitos do credor.
Como exemplos, a suspensividade dos
embargos; a possibilidade de defesas procrastinatórias mesmo fora do âmbito dos
embargos; a necessidade e a dificuldade de intimação pessoal do devedor; a
dificuldade de localização e constrição de bens do executado; a irracionalidade
da regulamentação da expropriação desses bens, etc. Estes problemas foram, em
tese, corrigidos.
Destaca-se que, tendo o
devedor a prerrogativa de indicar bens à penhora, no mais das vezes, indicava
patrimônio de baixa liquidez ou de qualquer forma inadequado à realização de
direitos do credor e comparado com outros bens que compunham o seu patrimônio
tal atitude acabava tendo reflexos negativos para a execução, retardando a
solução jurisdicional.
Todos estes fatos prejudicavam de
maneira decisiva a realização rápida e eficaz dos direitos do credor. Daí
porque a Lei 11.382/06 buscou dar respostas a esses entraves à realização dos
direitos do credor.
A Lei
11.382/06 trouxe inúmeras e importantes mudanças na sistemática processual, completando
a reformulação do processo de execução e redefinindo, dentre outras coisas, a
fase de expropriação de bens no CPC atual.
Pelas normas processuais
hoje em vigor não há mais a obrigatoriedade de o devedor nomear bens à penhora.
Atualmente, o credor pode, em regra, indicar bens do
devedor à penhora na própria petição inicial, facilitando e orientando o
trabalho do Oficial de Justiça na realização da constrição.
Todavia, deverá o credor obedecer a ordem do art.
655 do CPC, que é decrescente em termos de liquidez.
A lista vai de dinheiro (absolutamente líquido) até
direitos e ações, passando por imóveis, navios e aeronaves (com baixa
liquidez).
Nos termos atuais a penhora observará,
preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou
aplicação em instituição financeira; II - veículos de via terrestre; III - bens móveis em geral; IV - bens imóveis; V - navios e aeronaves; VI - ações e quotas de sociedades
empresárias; VII - percentual do
faturamento de empresa devedora; VIII
- pedras e metais preciosos; IX
- títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em
mercado; X - títulos e valores
mobiliários com cotação em mercado; XI - outros direitos.
Ressalvada penhora em dinheiro, que é sempre
prioritária, a ordem referida nos incisos do caput deste artigo não tem caráter
absoluto, podendo ser alterada pelo juiz de acordo com as circunstâncias do
caso concreto.
Também existe a possibilidade de substituição do bem
penhorado. É direito do executado requerer a substituição do bem penhorado desde
que cumpridos alguns requisitos.
Assim, pode o executado requerer
a substituição do bem penhorado, desde que comprove cabalmente que a referida substituição
não trará prejuízo algum ao exeqüente e será menos onerosa para ele devedor.
Na hipótese, ao executado
incumbe quanto aos bens imóveis, indicar as respectivas matrículas e registros,
situá-los e mencionar as divisas e confrontações; quanto aos móveis,
particularizar o estado e o lugar em que se encontram; quanto aos semoventes,
especificá-los, indicando o número de cabeças e o imóvel em que se encontram; quanto
aos créditos, identificar o devedor e
qualificá-lo, descrevendo a origem da dívida, o título que a representa e
a data do vencimento; atribuir valor aos bens indicados à penhora.
Ademais, como já citado, a substituição do bem
penhorado somente será aceita se o bem apresentado melhor atender aos
princípios da utilidade da execução e da menor onerosidade para o executado.
A substituição do bem penhorado não poderá trazer
prejuízo ao credor, sendo de maior liquidez e, portanto, de mais fácil e rápida
expropriação, uma vez que a execução se faz no interesse do credor mesmo que de
modo menos oneroso ao devedor.
Percebe-se que a substituição do bem penhorado por
dinheiro é sempre possível, diante da evidente utilidade que tal medida representa
para a execução, evitando-se a prática de atos de expropriação. Por outro lado,
quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que
se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
O art. 656 do CPC também autoriza a substituição do
bem penhorado por qualquer das partes, desde que presentes quaisquer das
hipóteses previstas nos seus incisos. Nessas hipóteses, não há prazo preclusivo
para que façam o requerimento, podendo ser realizada enquanto não ocorrer a
expropriação do bem.
Nessa linha, a
parte poderá requerer a substituição da penhora: I – se não obedecer à ordem
legal; II – se não incidir sobre os bens designados em lei, contrato ou ato
judicial para o pagamento; III – se, havendo bens no foro da execução, outros houverem
sido penhorados; IV – se, havendo bens livres, a penhora houver recaído sobre
bens já penhorados ou objeto de gravame; V – se incidir sobre bens de baixa
liquidez; VI – se fracassar a tentativa de alienação judicial do bem; VII – se
o devedor não indicar o valor dos bens ou omitir qualquer das indicações a que
se referem os incs. I a IV do parágrafo único do art. 668 desta Lei.
É a facilidade de alienação que determina a ordem
legal.
Por isso é que sempre se
admite, em qualquer fase da execução, a substituição do bem penhorado por
dinheiro.
Não obstante seja prioridade do credor a indicação
de bens à penhora, não se nega o dever do executado de colaborar com o juízo,
indicando, caso necessário, onde está seu patrimônio. Pela regra atual, é dever
do executado, sempre que intimado, indicar onde estão seus bens penhoráveis.
Caso o devedor não seja encontrado para citação, mas
seus bens sejam localizados, a execução deve prosseguir, procedendo-se ao
arresto desses bens. Assim, o oficial
de justiça, não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos
bastem para garantir a execução. Esse arresto tem natureza de medida
cautelar incidental, pois visa garantir a existência de bens vinculados à
execução, evitando- se sua dilapidação pelo devedor.
Se não forem localizados bens do devedor, a execução
fica suspensa, aguardando no arquivo o aparecimento de bens do devedor. No caso
de insuficiência do bem penhorado, bem como no caso de não se encontrar
quaisquer bens penhoráveis do devedor, o oficial descreverá na certidão os que
guarnecem a residência ou o estabelecimento do devedor.
Tal providência visa possibilitar o controle pelo
juízo, aferindo-se, realmente, se não é possível penhorar algum bem da
residência do devedor que não se incluem na proteção legal da
impenhorabilidade.
Os bens penhorados são apreendidos e deixados sob a
guarda de determinada pessoa, aguardando-se a futura alienação judicial. O auto
de penhora deve conter a data e o local onde foi realizada, o nome das partes,
a descrição precisa dos bens e a nomeação de um depositário.
A penhora, então, deverá
incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado,
juros, custas e honorários advocatícios e é o ato que
tem a função de individualizar os bens que serão expropriados para o pagamento
do credor.
Referidas considerações são importantes para se
demonstrar quão importante é a possibilidade da constrição de dinheiro /
ativos financeiros.
n
Penhora on-line de
ativos financeiros :
Como novidade e buscando máxima efetividade na
constrição de dinheiro – que possui maior liquidez, a Lei nº 11.382, de
06.12.2006 também regulamentou a penhora de ativos financeiros, popularmente
conhecida como “Penhora on line”[2].
A penhora em depósito ou aplicação financeira poderá
ser realizada através do sistema Bacen-Jud, por meio eletrônico. O juiz,
então, determina o bloqueio dos bens do devedor até o limite da dívida.
Para a efetividade da medida, é óbvio que não se
avisa antes o devedor. Aqui, o contraditório é mitigado.
No caso, para
possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz,
a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema
bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência
de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua
indisponibilidade, até o valor indicado na execução.
As informações
limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado
na execução. Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em
conta corrente referem-se a hipóteses revestidas de impenhorabilidade. Salário,
por exemplo.
A rigor, o Banco Central informa o juízo no prazo de
24 horas os valores bloqueados e as respectivas contas atingidas. Por
isso, recebendo a informação de bloqueio, o
juiz deve liberar os numerários que superam o valor da dívida,
transferindo para conta judicial apenas o valor necessário para o pagamento da
obrigação.
É bem verdade que essa modalidade de penhora poderá
atingir todo e qualquer ativo financeiro, não sendo possível excluir
aprioristicamente aplicações ou verbas por sua natureza. Todavia, com simples
requerimento ao magistrado, eventual impenhorabilidade poderá ser corrigida.
É ônus do executado provar que os valores bloqueados
são impenhoráveis (verbas de natureza alimentar).
Antes da reforma de 2006, a opção ou determinação dessa
modalidade de penhora era questão jurisdicional que não vinculava o juiz.
Assim, o juiz poderia decidir se realizava ou não penhora através de meios
eletrônicos. Atualmente, a penhora de ativos financeiros é obrigação funcional
do juiz.
A
proposta inicial sobre a penhora de ativos financeiros constante no PL 8046/10
era no sentido de que para possibilitar a constrição de dinheiro em depósito ou
em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar
ciência prévia do ato ao executado, determinaria às instituições financeiras, por meio de sistema
eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional,
que tornasse indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado,
limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.
O
juiz deveria determinar o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva.
Tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este seria intimado
na pessoa de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente.
Incumbia
ao executado comprovar que as quantias indisponibilizadas eram impenhoráveis ou
que ainda remanescesse
indisponibilidade excessiva de ativos financeiros. Acolhida qualquer das
arguições dos incisos, o juiz determinaria o cancelamento de eventual
indisponibilidade excessiva, o que deveria ser cumprido pela instituição
financeira.
Rejeitada
ou não apresentada a manifestação do executado, converter-se-ia a
indisponibilidade em penhora, e lavrar-se-ia o respectivo termo, devendo o juiz da execução determinar à
instituição financeira depositária que transferisse o montante indisponível
para conta vinculada ao juízo da execução.
Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o
juiz determinaria, imediatamente à autoridade supervisora a notificação da
instituição financeira para que cancelasse a indisponibilidade.
Essas
transmissões das ordens de indisponibilidade, de seu cancelamento e de
determinação de penhora, seriam feitas por meio de sistema eletrônico gerido
pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional.
Destaca-se
que a instituição financeira deverá ser responsável pelos prejuízos causados ao
executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor
superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não
cancelamento da indisponibilidade no prazo fixado.
Em
linhas gerais, o que quis inicialmente o projeto do novo código foi
regulamentar ainda mais e fixar regras claras para a penhora de ativos
financeiros.
Conforme se
viu, a Câmara
dos Deputados aprovou emenda que impede a realização da penhora de ativos
financeiros com o consequente bloqueio de contas e investimentos bancários em
caráter provisório, ou seja, antes da sentença.
Frisa-se que medidas que antecipam tutela figuram em sistema processual há muito
tempo. Como exemplo, a Lei 8.952, de 13.12.1994 introduziu no CPC atual o
instituto da antecipação de tutela, possibilitando a satisfação do autor,
através do atendimento de sua pretensão, desde que preenchidos certos
requisitos, ainda no curso da cognição[3].
Com o novo texto, o que já quase
não funcionava, ficará ainda pior. É que, em regra, devedores já possuem amplo
conhecimento da possibilidade de penhora de ativos financeiros e quando são
acionados judicialmente (ou ainda em vias de ser), geralmente deslocam seu patrimônio
para outro investimento, escapando desse mecanismo judicial de expropriação,
tornando-o ineficaz.
Nos dias atuais, a penhora de
ativos financeiros tem funcionado, na maciça maioria dos casos, somente quando
grandes empresas, sólidas e com amplo patrimônio, figuram como devedoras. Há
casos, inclusive, que as empresas já disponibilizam ao juízo uma conta só para
a finalidade de, se o caso, bloquear os valores nela constantes.
Em casos mais simples e/ou em
processos onde figuram pessoas naturais na condição de devedoras/executadas
raramente essa medida constritiva tem dado bons resultados.
Uma saída encontrada pelo
legislador projetista do novo Código de Processo Civil, ao regulamentar e
tentar “salvar” a penhora de ativos financeiros, visando evitar que o devedor
de desfaça preliminarmente de seu patrimônio, foi autorizar, positivando na
letra do código, que o juiz, na constrição de dinheiro em depósito ou em
aplicação financeira, a requerimento do exequente pudesse deferi-la, sem
dar ciência prévia do ato ao executado, determinando às instituições financeiras, por meio de sistema
eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional,
que tornasse indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado.
Referida
regra encontra respaldo no princípio da Efetividade do Processo, já que o
processo é instrumento (efetivo) de realização do direito material.
Ao vedar essa possibilidade,
exigindo que o bloqueio de ativos financeiros seja realizado somente após uma
sentença ou quiçá depois do trânsito em julgado, os deputados federais
sepultaram o referido instituto.
Espera-se que o Senado Federal
reveja esse ponto e mantenha a possibilidade e a eficiência de bloqueio de
ativos financeiros por meio de medidas liminares de urgência, antecipatórias,
ou por qualquer nomenclatura que se prefira utilizar. Mantendo a regra aprovada
pela Câmara dos Deputados, a única esperança será o veto presidencial.
Hoje, a família da “penhora on line” convida a todos
os seus familiares e amigos para seu sepultamento que ocorre neste momento na
câmara dos deputados em Brasília.
É incrível, mas pior do que está,
pode ficar!
*** meu twitter: www.twitter.com/rogeriomontai ou @rogeriomontai
[1] Críticas disponíveis em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/461870-CAMARA-APROVA-EMENDA-AO-NOVO-CPC-E-LIMITA-BLOQUEIO-DE-CONTAS-EM-ACOES-CIVEIS.html.
Consulta em 12/02/14.
[2] Nomenclatura equivocada,
pois, como se verá na sequência, a constrição, embora, realizada por meios
eletrônicos, não ocorre “on line” e pode levar dias para seu aperfeiçoamento.
[3]
Nesse caso, o juiz poderá, a requerimento da parte,
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido
inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança
da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;
ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu. Na decisão que
antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu
convencimento.
Trabalho numa vara de execução fiscal e posso garantir que a satisfação do crédito é, em 80%, mérito deste instrumento processual chamado penhora "on line". Aos credores a lei, aos devedores os legisladores!
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