Rogério Montai
de Lima
Magistrado e Professor
Doutorando em Direito Público pela UNESA/RJ
A rede
social Facebook já ultrapassou a marca de 1 bilhão de usuários e entre eles existem mais de 140
bilhões de conexões entre amigos[1],
sendo que o Brasil é o país que mais cresce entre os participantes,
seguido por Índia, Indonésia, México e Estados Unidos. Em pesquisa denominada
“Social networking sites and our lives”, realizada por The Pew Research
Center´s Internet & American Life
Projetct (2011), publicada pela revista Época[2] os
pesquisadores concluíram que em geral os usuários do Facebook possuem 634
conhecidos e dentre eles mais de 30% acessam a rede social várias vezes por
dia. A pesquisa concluiu que o objetivo é manter amizades e não fazer novas.
Todos (por
força da expressão) estão nas redes sociais e possuem centenas ou milhares de
amigos. Não há privilégio de classe, religião, cor, sexo, ou qualquer critério
separatista entre os integrantes. Não existem barreiras ou fronteiras. Neste mundo
virtual das redes sociais também estão os tribunais, os conselhos, os juízes e
quaisquer sujeitos imparciais do processo.
Pois
pergunto: poderia essa relação de amizade,
decorrente exclusivamente das redes sociais, servir de fundamento para arguição
de suspeição de um juiz?
A resposta é
negativa.
Primeiramente
destaca-se que o Código de Processo Civil apresenta, a partir do art. 134,
casos de IMPEDIMENTOS e de SUSPEIÇÃO.
Os casos de impedimento[3]
são restrições objetivas onde o próprio legislador identificou algumas
situações que comprometeriam de imediato a imparcialidade do juiz, sendo vedado
ao magistrado exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
a) - de que
for parte;
b) - em que
interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão
do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
c) - que
conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou
decisão;
d) - quando
nele estiver postulando, como advogado da parte (o defensor e o MP serão
acrescidos no NCPC), o seu cônjuge (ou
companheiro – acréscimo no NCPC) ou qualquer parente seu, consanguíneo ou
afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau (neste caso, o
impedimento só se verifica quando o advogado (serão acrescidos no Defensor
ou MP – NCPC) já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado
ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz);
e) - quando
cônjuge (ele próprio, ou companheiro – acréscimos no NCPC),
parente, consanguíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na
colateral, até o terceiro grau;
f) - quando
for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Já em
relação à Suspeição – questões que
seriam subjetivas e que, portanto, passariam pelo crivo do magistrado - o
Código de Processo Civil diz que reputa-se fundada a suspeição de parcialidade
do juiz, quando:
a) - amigo íntimo ou inimigo capital de
qualquer das partes;
b) - alguma
das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes
deste, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
c) -
herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; receber
dádivas antes ou depois de iniciado o processo;
d) -
aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios
para atender às despesas do litígio; interessado no julgamento da causa em
favor de uma das partes. Por fim, poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por
motivo íntimo[4].
É bem
verdade que algumas situações que o legislador apresenta como casos de
suspeição são, na verdade, casos de impedimento e serão corrigidas no Novo
Código de Processo Civil – PL 8046/10 da Câmara dos Deputados. As letras “b)” e
“c)” serão transportadas aos casos de impedimento.
O Conselho
Nacional de Justiça possui a Resolução nº 82[5],
de 09.06.2009, DJU 16.06.2009 e DJe CNJ 16.06.2009, que regulamenta as
declarações de suspeição por foro íntimo.
Vale lembrar
que aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição ao órgão do
Ministério Público, quando fiscal da ordem jurídica, ao serventuário de
justiça; ao perito; ao intérprete, conciliadores, mediadores e aos demais
sujeitos imparciais do processo.
Analisando
os casos de suspeição apresentados no art. 135 do CPC o dispositivo inaugura as
hipóteses apontando a figura do amigo
íntimo. Quem é ele? Se é difícil conceituá-lo ou identificá-lo, talvez seja
mais fácil (e proveitoso ao processo) identificar que não é.
Amizade
íntima é um sentimento de estima e de fiel afeição e ternura entre pessoas que
não são da família ou que mantém uma relação ou atração sexual (é claro que
parceiros amorosos também possuem características da amizade, mas o que
principalmente os liga é mais do que este sentimento de estima – é a paixão, o
amor). Convém não aprofundar nesta parte final, pois o foco seria absolutamente
outro.
Só por esta
expressão - amigo íntimo - já se poderia excluir a obrigatoriedade de um juiz
(ou o tribunal) declarar-se suspeito diante, por si só, de uma relação na rede
social, pois, como visto, o que vincula à suspeição é “amizade íntima”. Note a qualificação, a
qualidade, o adjetivo. Não é qualquer amizade e, muito menos, a somente
decorrente de uma rede social que torna um juiz suspeito.
Claro que
dentre os amigos constantes na relação das redes sociais do magistrado (ou de
qualquer outro profissional que se vincule aos casos de suspeição) encontram-se
certamente os amigos mais próximos, considerados íntimos. Ora, se nas redes
sociais se verificam os considerados e adicionados como “amigos”, mas que na
verdade são apenas conhecidos (ou em alguns casos críticos ou
admiradores), com muito mais razão, ali
estariam presentes os mais próximos – os íntimos – nesse caso vale a suspeição.
Todavia, não
se pode imaginar que o simples fato do magistrado (e os outros imparciais) ter
em seus contatos da rede social, eventualmente, alguém que é (ou foi) parte em
algum processo sob sua competência, fosse capaz de fazer com que o juiz tivesse
o dever de declarar-se suspeito.
Quando
elencou entre as hipóteses de suspeição a figura da amizade (íntima) quis o
legislador referir-se àquela amizade mais próxima, de relações pessoais
cotidianas, históricas, presenciais, e que pudesse verdadeiramente comprometer
a imparcialidade do juiz. V.g. é o
amigo desde a infância, o padrinho de casamento, os que frequentam a residência
um do outro, que compartilham festas juntos; parceiros de esportes, entre
outros casos.
Outra
questão é a figura do aluno ou ex-aluno
do magistrado ou outro profissional que deva ser imparcial.
Por
decorrência de força constitucional, de direito fundamental e garantia da
magistratura, é permitido ao juiz (e ao membro do Ministério Público) lecionar.
Nessa relação é possível (e perfeitamente natural) que o magistrado, por
exemplo, tenha também alunos entre seus contatos[6] das
redes sociais ou simplesmente no convívio acadêmico do dia-a-dia.
Pelo mesmo
sentido, se o aluno está entre os amigos da rede social do professor (juiz ou
outro sujeito imparcial do processo) ou convive com ele no ambiente acadêmico,
esse fato por si só, não torna o magistrado suspeito eis que não se trata de
amizade íntima. Não que isso jamais possa acontecer. Ao contrário, há muitos
casos em que a relação de sala de aula é transformada, posteriormente, em uma
grande amizade (íntima) que pode durar anos ou pra sempre. Se isso ocorrer,
claro, tratar-se-á de hipótese de suspeição.
Assim,
relação de pessoas na categoria de amigos em Rede Social ou relação de sala de
aula – aluno x professor, por si só,
não é considerada amizade íntima, aquela capaz de influenciar na consciência do
juiz e comprometer a imparcialidade e, portanto, não é hipótese de Suspeição.
Quem dera a
realização do sonho utópico de que a relação com todos os amigos das redes
sociais fossem verdadeiramente amizades íntimas....
[2] A referida revista Época (de 24/9/12, n. 749, páginas 92/93) trouxe
como matéria de capa exatamente a preocupação com o Amigo Real x Amigo Virtual,
questionando se seria possível ter amigos de verdade na era do Facebook.
[3] Art. 134
do CPC.
[4] Art. 135
do CPC
[5] RESOLUÇÃO CNJ Nº 82, DE 9 DE JUNHO DE 2009
(DJU 16.06.2009 e DJe CNJ 16.06.2009)
Regulamenta as declarações de suspeição por
foro íntimo.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,
no uso de suas atribuições,
Considerando que durante Inspeções realizadas
pela Corregedoria Nacional de Justiça foi constatado um elevado número de
declarações de suspeição por motivo de foro íntimo;
Considerando que todas as decisões dos órgãos
do Poder Judiciário devem ser fundamentadas (art. 93, IX, da CF);
Considerando que é dever do magistrado
cumprir com exatidão as disposições legais (art. 35, I, da LC nº 35/1979),
obrigação cujo observância somente pode ser aferida se conhecidas as razões da
decisão;
Considerando que no julgamento do relatório
da Inspeção realizada no Poder Judiciário Estadual do Amazonas foi aprovada a
proposta de edição de Resolução, pelo Conselho Nacional de Justiça, para que a
as razões da suspeição por motivo íntimo, declarada pelo magistrado de primeiro
e de segundo grau, e que não serão mencionadas nos autos, sejam imediatamente
remetidas pelo magistrado, em caráter sigiloso, para conhecimento pelo Tribunal
ao qual está vinculado;
Considerando que a sistemática de controle é
adotada, com êxito, há vários anos, por alguns Tribunais do País,
Resolve:
Art. 1º No caso de suspeição por motivo
íntimo, o magistrado de primeiro grau fará essa afirmação nos autos e, em
ofício reservado, imediatamente exporá as razões desse ato à Corregedoria local
ou a órgão diverso designado pelo seu Tribunal.
Art. 2º No caso de suspeição por motivo
íntimo, o magistrado de segundo grau fará essa afirmação nos autos e, em ofício
reservado, imediatamente exporá as razões desse ato à Corregedoria Nacional de
Justiça.
Art. 3º O órgão destinatário das informações
manterá as razões em pasta própria, de forma a que o sigilo seja preservado,
sem prejuízo do acesso às afirmações para fins correcionais.
Art. 4º Esta Resolução entrará em vigor na
data de sua publicação.
Ministro GILMAR MENDES
[6] Existem inúmeros magistrados ou membros do
MP que dão aulas e que possuem milhares (ou dezenas de milhares) de seguidores
no twitter. Ainda são detentores de Fan
Page e que têm, inclusive, mais de um perfil no facebook porque a capacidade
dos anteriores foi esgotada aos 5 mil “amigos” permitidos por cada conta.
Muito bom o seu texto, principalmente pelo fato de que ainda existem poucos advogados que tentam se centrar no mundo cibernético e perceber o quanto ele ainda crescerá e como tornará imenso no mundo real.
ResponderExcluirInteressantíssimo seu texto professor. Às vezes bate dúvidas mesmo quanto ao tema. Mas temo que, em pouco tempo, o conceito de amizade íntima possa se moldar para abranger os "amigos virtuais". O que mais se tem visto ultimamente é quem prefira se manter focado no celular (conectado a redes sociais) a conversar com quem está ao seu lado.
ResponderExcluirKarla Barbeto Westphal