Abusos: concurso público
Antonio Pessoa Cardoso*
Somente a partir de 1988, com a Constituição, passou-se a exigir concurso público para os empregos públicos, ou seja, aquelas funções regidas pela CLT (clique aqui). Antes, o concurso era imposto somente para os cargos públicos, diferente do emprego público.
Com alguma regularidade, os editais dos concursos para seleção de servidores para o serviço público, de uma maneira geral, prescrevem exigências descabidas e fora da realidade.
O candidato com mais de 70 anos ou que não está em dias com suas obrigações eleitorais não pode habilitar-se ao serviço público, conforme prescreve a Constituição (clique aqui) e a lei 8.112/90 (clique aqui). Constituem requisitos para todos os concursos: ser brasileiro, está no gozo dos direitos políticos, quitação com as obrigações militares e eleitorais, nível de escolaridade exigido para o cargo ou emprego, idade mínima de 18 anos e aptidão física e mental. Os estados e municípios têm autonomia para legislar sobre o assunto, desde que respeitem os dispositivos constitucionais, arts. 37 a 41.
Mas os gestores dos órgãos públicos baixam editais nos quais proíbem a inscrição dos candidatos que possuem tatuagem, ainda que em partes íntimas do corpo; das candidatas, se grávidas; daqueles que têm o nome negativado nos órgãos de proteção ao crédito; dos que respondem a ação penal ou têm passagem pela polícia; de quem não é aprovado em teste psicológico, de ordem absolutamente subjetiva; daqueles que não têm um mínimo de 20 dentes na boca, ou daqueles que não apresentam exame de HIV, comprovando soro negativo.
O abuso é tão incontrolável que há casos nos quais se publica o edital e a realização das provas acontece apenas um mês depois, não se sabe com qual objetivo, porque para nomeação imediata não é, a despeito de proibição explicita, na forma do Decreto 6.944/2009 (clique aqui), que fixa o prazo mínimo de 60 dias entre a publicação do edital e a realização das provas.
Outras preocupações que atormentam os concurseiros: vazamento do teor das questões, excessivo número de fiscais despreparados nas salas e com objetivos fraudulentos; formulação de quesitos incompatíveis com os conhecimentos indispensáveis para o cargo; critério para correção das provas; exame oral fundado em aspectos discricionários e subjetivos, e pagamento de taxas abusivas.
Na impossibilidade de solução administrativa, o concursando só tem uma alternativa, consistente na contratação de um advogado para ingressar com ação judicial. E o Judiciário tem-se portado convenientemente, nesses casos, pois quando não concede a liminar ou tutela antecipada, decide com certa rapidez e determina a inclusão do candidato no rol de aptos para fazer as provas ou para nomeação do candidato aprovado de acordo com o número de vagas abertas pelo edital.
Quando a Administração Pública baixa edital para preenchimento de, por exemplo, 100 vagas, é porque notou a necessidade de chamar esse número de servidores, já possuindo dotação orçamentária própria para fazer os pagamentos. O concurso presta-se para selecionar pessoal para todas as áreas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. A validade do concurso, normalmente, é de dois anos, mas pode ser prorrogado por mais dois.
Se o edital anotou o número de vagas existentes, após a aprovação, a nomeação deve ser imediata, apesar de polêmica, ao nível do Judiciário, sobre a matéria; de qualquer forma, se não for incontinenti, a nomeação tem de sair no prazo de validade do concurso.
A espera pelo aparecimento de vagas deve acontecer quando o edital anota que o concurso presta-se para a formação de cadastro de reserva; aliás, este tipo de concurso não deixa de ser desorganização nos serviços públicos e o objetivo pode ser o de burlar a lei.
No final do ano passado, o Senado aprovou o PLS 118/08 (clique aqui), alterando o Estatuto do Servidor Público, Lei 8.112/90, para incluir a obrigatoriedade de convocação dos aprovados de acordo com o número de vagas previsto no edital, mediante cronograma a ser obedecido durante a validade do concurso. O Projeto está para discussão e aprovação na Câmara dos Deputados.
A maioria das pessoas que se submetem às regras do concurso busca segurança no emprego e para tanto se envolvem na tarefa de freqüência a cursos preparatórios, por vezes, deixando até mesmo o emprego que possuem, para dedicação exclusiva.
No dia das provas, muita inquietação, porque há proibição expressa de ir ao banheiro após o início da prova escrita e até seu término ou porque se teme alguma arbitrariedade de algum fiscal.
No final das provas, constata-se que o número de aprovados foi além do montante de vagas, mas os cem primeiros colocados, conforme edital, fazem a festa e comemoram bastante o grande acontecimento. Os familiares louvam a Deus, pois sabiam que o filho, a filha, o esposo, a esposa obtiveram finalmente a segurança que buscavam neste mundo altamente competitivo.
Alguns desses concursos públicos, a exemplo da polícia militar ou de delegado de polícia, convocam os aprovados para aulas teóricas e práticas como preparo para exercício da função. A dedicação é integral, porquanto há aulas durante todo o dia e, às vezes, até mesmo aos sábados e domingos. Os convocados recebem ajuda de custo e a promessa de nomeação imediata, logo após o curso.
A fase que se segue é a de preparação da documentação exigida para a posse que deve ocorrer dentro de poucos dias. Quem não deixou o emprego anterior, obriga-se a pedir rescisão contratual, e, às vezes, mudam de um estado para outro ou de uma cidade para outra, vez que foram aprovados para exercer a função pública em outro município diverso da residência original.
Grande é a expectativa, mas enquanto não se é chamado, dedica-se a imaginar sobre as transformações que ocorrerão na vida.
A decepção é que o candidato aprovado espera pela convocação para tomar posse, mas é preterido, porque se deixou de obedecer à ordem de classificação dos aprovados; ou porque esperou, venceu o prazo de validade do certame e a Administração Pública alegou interesses administrativos para não fazer o chamamento como prometera no edital.
O tempo passa e sabe-se que no período de expectativa da nomeação houve contratação temporária, empresas terceirizadas ou requisição de servidores para atuarem exatamente no lugar destinado aos candidatos aprovados. A contratação temporária permitida pela Constituição, inc. IX, art. 37, ocorre somente para socorrer necessidade temporária e em caráter excepcional. Confundem para governar à margem da lei.
Não foram suficientes os contratempos provocados pelo acionamento do Judiciário nos momentos iniciais, quando foi indeferido o pedido de inscrição. Agora o cidadão foi aprovado, em alguns casos submeteu-se ao curso indispensável para assumir o posto, mas não recebe explicação alguma e não é convocado.
O pior é que há casos nos quais simplesmente não se nomeia os candidatos aprovados e ainda lança-se novo edital para novo concurso!
Mais uma vez recorre-se à Justiça que atende ao pedido e determina imediata nomeação, porque aprovado, porque existem vagas e porque não há motivação alguma para a resistência.
Mas, para não nomear o Estado atravessa todo tipo de recurso e chega a recorrer aos tribunais superiores, sem êxito, entretanto. Perde em todas as instâncias, mas o objetivo é retardar ou não contratar o concursado. Transita em julgado a decisão, mas o governo não cumpre sua obrigação, nem mesmo com a determinação do Judiciário. Não há contratação. Sabe-se que há vagas, mas o governo desobedece à ordem judicial.
As autoridades dos órgãos públicos não fazem favor algum em admitir os candidatos aprovados em concurso promovido pelas entidades que dirigem. É obrigação selecionar por meio de concurso e o cidadão tem o direito de concorrer a todos os certames, na forma do que dispõe a Constituição Federal, arts. 5º e 37.
A grande quantidade de processos judiciais, envolvendo os concursos públicos, reclama urgência na aprovação de estatuto que unifique a seleção dos futuros servidores públicos. No âmbito do Judiciário, o CNJ promove estudos para unificar o procedimento para a seleção de seus funcionários.
*Desembargador do TJ/BA
fonte: migalhas de 05.03.2010
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