sexta-feira, 3 de junho de 2011

Relativização da coisa julgada? Supremo decide e permite nova ação de investigação de paternidade.

A relativização da coisa julgada em investigação de paternidade sempre foi tema de interesse. Tenho, inclusive, dois ex-orientandos que escreveram sobre o tema e uma orientanda que atualmente realiza esta pesquisa.

O tema é polêmico: de um lado figura o princípio da segurança jurídica e de outro o princípio da dignidade da pessoa humana.

A segurança jurídica significa estabilidade das relações sociais havidas em decorrência das normas instituídas e das decisões judiciais que se propõem à interpretação e aplicação destas normas nos casos particulares. Este princípio remete a necessidade de que em dado momento as decisões judiciais se consolidem definitivamente e não se sujeitem a qualquer possibilidade de rediscussão da matéria, sob pena de eternização dos conflitos.

Ocorre que em determinadas circunstâncias outros valores se sobrepõem ante a tão almejada segurança jurídica, tais como, o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito personalíssimo à filiação, o que justificaria, em tese, a utilização de mecanismos legais para a concretização de tais expectativas.
Por votação majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (02), conceder a um jovem de Brasília o direito de voltar a pleitear de seu suposto pai a realização de exame de DNA, depois que um primeiro processo de investigação de paternidade foi extinto na Justiça de primeira instância do Distrito Federal porque a mãe do então menor não tinha condições de custear esse exame.

A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 363889, que foi suspenso em 7 de abril passado por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Naquele momento do julgamento, o relator, ministro José Antonio Dias Toffoli, havia dado provimento ao RE para afastar o óbice da coisa julgada (a sentença já havia transitado em julgado) e determinar o seguimento do processo de investigação de paternidade na Justiça de primeiro grau do Distrito Federal, depois que o Tribunal de Justiça competente (TJDFT) havia extinto a ação.

O caso

Uma ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, proposta em 1989 pelo autor da ação, por intermédio de sua mãe, foi julgada improcedente, por insuficiência de provas. A defesa alega que a mãe, então beneficiária de assistência judiciária gratuita, não tinha condições financeiras de custear o exame de DNA para efeito de comprovação de paternidade.

Alega, também, que o suposto pai não negou a paternidade. E lembra que o juiz da causa, ao extinguir o processo, lamentou, na época, que não houvesse previsão legal para o Poder Público custear o exame.

Posteriormente, sobreveio uma lei prevendo o financiamento do exame de DNA, sendo proposta nova ação de investigação de paternidade. O juiz de primeiro grau saneou o processo transitado em julgado e reiniciou a investigação pleiteada. Entretanto, o Tribunal de Justiça acolheu recurso de agravo de instrumento interposto pela defesa do suposto pai, sob o argumento preliminar de que se tratava de coisa já julgada, e determinou a extinção do processo. É dessa decisão que o autor do processo e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios recorreram ao STF.

No julgamento desta quinta-feira (02), o ministro Joaquim Barbosa observou que, entrementes, o Tribunal de Justiça do DF já mudou sua orientação e já admitiu a reabertura de um processo semelhante de investigação de paternidade.

O entendimento prevaleceu, também, entre os ministros do STF, nos debates que se travaram em torno do assunto, em abril e hoje, à luz de diversos dispositivos constitucionais que refletem a inspiração da Constituição Federal (CF) nos princípios da dignidade da pessoa humana.

Entre tais artigos estão o artigo 1º, inciso III; o artigo 5º e os artigos 226, que trata da família, e 227. Este dispõe, em seu caput (cabeça), que é dever da família, da sociedade e do Estado, dar assistência e proporcionar dignidade humana aos filhos. E, em seu parágrafo 6º, proíbe discriminação entre filhos havidos ou não do casamento.

Divergência

O ministro Marco Aurélio e o presidente da Suprema Corte, ministro Cezar Peluso, votaram pelo desprovimento do recurso. “Há mais coragem em ser justo parecendo injusto, do que em ser injusto para salvaguardar as aparências de justiça”, disse o ministro Marco Aurélio, ao abrir a divergência.

Segundo ele, “o efeito prático desta decisão (de hoje) será nenhum, porque o demandado (suposto pai) não pode ser obrigado a fazer o exame de DNA”. Isso porque, segundo ele, a negativa de realizar o exame não levará à presunção absoluta de que é verdadeiramente o pai.

Segundo o ministro, a Lei 8.560/92, no seu artigo 2-A, decorrente da Lei 12.004/2009 (que regula a paternidade de filhos havidos fora do casamento), prevê que, na ação de paternidade, todos os meios de prova são legítimos. Ainda de acordo com o ministro, a negativa de realizar o exame gerará presunção de paternidade, mas também esta terá de ser apreciada no contexto probatório. E, em tal caso, há grande possibilidade de o resultado ser negativo.

Segundo ele, cabe aplicar a regra do artigo 468 do Código de Processo Civil, que torna a coisa julgada insuscetível de modificação, salvo casos que excetua. Entre eles, está a ação rescisória, possível quando proposta no prazo de até dois anos do trânsito em julgado da sentença. No caso hoje julgado, segundo ele, já transcorreram mais de dez anos. Então, a revisão não é possível.

Último a votar, também para desprover o recurso, o ministro Cezar Peluso disse que se sente à vontade ao contrariar a maioria, porque foi por 8 anos juiz de direito de família e atuou pelo dobro do tempo na Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP).

Entretanto, observou, no caso hoje julgado “está em jogo um dos fundamentos da convivência civilizada e da vida digna”. Ao lembrar que se colocou a coisa julgada em confronto com outros princípios constitucionais, aos quais a maioria deu precedência, ele disse que “a coisa julgada é o princípio da certeza, a própria ética do direito”. “O direito não está na verdade, mas na segurança”, disse ele, citando um jurista italiano. “Ninguém consegue viver sem segurança”, afirmou.

Ele observou, neste contexto, que o direito à liberdade é um dos princípios fundamentais consagrados na Constituição. Portanto, no entender dele, a se levar ao extremo a decisão de hoje, nenhuma sentença condenatória em direito penal, por exemplo, será definitiva, já que, por se tratar de um princípio fundamental dos mais importantes, ele sempre comportará recurso da condenação, mesmo que transitada em julgado.

Fonte: STF


3 comentários:

  1. Data Máxima Vênia, acompanharia o voto do Ministro Cezar Peluso. Sem segurança Juridica não há que se falar em cumprimento dos demais principios ou direitos/deveres.

    ResponderExcluir
  2. Direitos da personalidade sao imprescritiveis. Como ter uma vida digna sem possibilidade de conhecer as suas raizes, de onde vem e quem eh seu pai? Todos, pelo simples fatos de serem humanos tem o direito de ter uma existencia digna e sadia. A coisa julgada e a norma individualizada eh a lei para o caso concreto mas no caso uma lei nao albergada pela Constituicao. A Republica Brasileira tem como objetivo contruir uma sociedade justa e solidaria. O direito a verdade e a busca pela felicidade tem ocupado o centro das discussoes juridico-filosoficas no Brasil e no mundo. A dignidade da pessoa 'e fundamento da nossa Republica assim e esta se desdobra no direito a identidade genetica e deve servir de norte interpretativo das demais normas contitucionais, inclusive a da autoridade da coisa julgada. O status de filho nao tem efeito meramente economico mas existencial na medida em que fortalece a personalidade juridica.
    Pensar o contrario seria dizer que um juiz pode alterar a Constituicao.

    ResponderExcluir
  3. Antes de defender-se ou não a relativização da coisa julgada no caso em tela, é necessário que se observe o real objetivo do direito - ao passo que atua como norteador da justiça.

    Ora se não é de se colocar em primeiro plano a dignidade de um cidadão frente à mera formalidade processual. Afinal seria mais relevante a segurança jurídica daquele que age em desacordo com os valores morais protegidos pelo direito ou ainda a dignidade da pessoa humana? - ainda mais a considerar um ponto tão fundamental quanto a possibilidade de reconhecer sua origem, bem como vir a receber meios para sua subsistência.

    A meu ver, não há o que discutir. Grosso modo, é preciso que a justiça supere o direito.

    ResponderExcluir

Comente. Sua opinião é sempre muito importante.

IntenseDebate Comments - Last 5